segunda-feira, 27 de maio de 2013

LIXO ELETRÔNICO

Logística reversa patina por falta de legislação
Para especialista, governo precisa definir responsabilidades para que produtos tenham destinação correta

Anderson Coelho
Entrevista: Andre Luis Saraiva Diretor da Abinee
A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), fundada em 1963 e que representa cerca de 600 indústrias, diz estar preparada para garantir a logística reversa dos produtos que fabrica. No entanto, a regulamentação de muitos deles sequer foi aprovada pelo governo. 

A entidade busca há três anos a adequação desses itens. Enquanto nada é colocado no papel, não há avanço. Assim, projetos como a Central de Logística Reversa de Londrina caem em desuso. 

"Como justificar o envio de uma caçamba de eletroeletrônicos de Londrina até Manaus, se não há sequer guia desses produtos?", observa o diretor do Departamento de Responsabilidade Socioambiental da Abinee, Andre Luis Saraiva. 

A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi instituída como lei em 2010. As discussões se arrastam desde então. Entre tantos entraves, um chama a atenção: a responsabilidade sobre os chamados "produtos órfãos". 

Estima-se que as vendas de produtos piratas movimentem R$ 40 bilhões por ano no Brasil. Só na indústria fonográfica, o governo deixa de arrecadar cerca de R$ 500 milhões por ano em impostos. Há um alto número de produtos falsificados circulando no mercado nacional. Um exemplo são os notebooks - de cada três unidades vendidas, uma vem de fora (seja adquirida no mercado cinza, leia-se contrabandeada, seja comprada no exterior, porém sem origem comprovada para a Receita Federal). 

Sem nota fiscal não há comprovação da origem. Consequentemente, não há como garantir a destinação correta após o período de vida útil do produto. "O ônus não pode ser jogado para as empresas", alega Saraiva. 

A consequência é um impacto socioambiental difícil de ser calculado. A Global Intelligence Alliance, consultoria multinacional, apresentou há dois anos estudo sobre o lixo eletrônico no Brasil. O relatório aponta que o consumidor não sabe o que fazer como dar a destinação correta aos produtos. Trinta e cinco por cento dos brasileiros guardam o aparelho velho em casa, 29% doam, 19% vendem, 7% jogam no lixo e 10% dão outra destinação qualquer. 

Outro fato relevante: sem regulamentação federal, Estados e municípios criam leis de resíduos sólidos conflitantes - hoje são 42 estaduais e 15 municipais vigentes em todo o território nacional. "São leis concorrentes. Pior que tem mais 85 projetos de lei no forno, prontos para saírem", lamenta. 

A Abinee representa um setor que emprega mais de 180 mil trabalhadores diretos e responde por mais de 15% da produção industrial nacional. O faturamento representa 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB). 

Por que é tão difícil tratar sobre a destinação correta do lixo eletrônico? 

Nenhum processo de logística reversa pode ser implementado no País sem que haja um estudo de viabilidade técnica. A lei (12.305/2010) diz que os consumidores vão devolver os produtos para distribuidores (ou comércio em geral) e que fabricantes ou importadores têm obrigação de dar a destinação correta. As logísticas definidas inicialmente foram: pneus, óleos lubrificantes, pilhas, baterias e agrotóxicos, todas com resoluções. Lâmpadas e eletroeletrônicos não tinham anteriormente. Depois, foram incorporados também medicamentos e embalagens. Neste cenário tivemos que buscar uma definição do que é um eletroeletrônico e do que é um resíduo do eletroeletrônico. Chegamos à definição de que seriam equipamentos que estejam em desuso e submetidos ao descarte, incluindo todas as partes, peças e componentes. 

Depois fizemos uma divisão por linha de produtos que têm maior demanda de consumo e, consequentemente, maior descarte. Mas para que a logística reversa dê certo é necessária aplicação de uma política fiscal simplificada para movimentação da carga. 

Há pontos que ainda não foram definidos? 

Sim. Há o comportamento legal. Tem que existir um documento que faça a transferência da titularidade do produto para resguardar os direitos do consumidor. Depois, tem que haver o comportamento fiscal garantindo à indústria que uma carga de 50 celulares, por exemplo, pode ser transportada de Londrina para ser reciclada em São Paulo. 

Tem ainda a questão tributária: a indústria que absorver aqueles diferentes componentes de eletroeletrônico tem que ter algum tipo desconto ou benefício dos impostos. Outro ponto importante e que precisa ser destacado: não vai existir logística reversa se o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) ou a Abema, que reúne todos os órgãos ambientais estaduais, não der uma carta para a indústria atestando que o transporte e a manipulação daquele aparelho não são perigosos. 

Esse ponto é importante porque qualquer eletroeletrônico tem muitos componentes, alguns até perigosos, como chumbo e mercúrio. Nesse contexto, o que a Abinee defende? 

Nós defendemos a tese de que se não há manipulação na hora que esse material é entregue, não pode ser considerado perigoso. Afinal de contas, esse material ficou anos com o consumidor sem afetá-lo. Ele passaria a ter uma regra de perigoso se fosse aberto e manipulado, se a característica original do produto estiver diferente. 

A Global Intelligence Alliance mostra que há muitos "produtos órfãos" (sem definição sobre a responsabilidade acerca da destinação) no mercado nacional. Como estão essas tratativas com o governo? 

A responsabilidade desse "órfão" é do poder público. Eu não posso tratar de um filho que não é meu. Até 2005, de cada dez notebooks vendidos no Brasil, sete não eram nossos. Com a aplicação da lei da informática, em 2010, nosso cenário era de que de cada dez vendidos, três não eram nossos. 

Qual medida deve ser adotada pelo governo, então? 

Acredito que o governo tem que adotar uma metodologia de educação ambiental, criar um comportamento demográfico e instalar, de forma simultânea, um sistema de recolhimento. Dentro de uma cidade poderia colocar pontos a cada conjunto de 25 mil habitantes. Esses locais seriam usados como ferramentas de educação e para criar um choque de gestão nos usuários. As caixas verdes abrigariam produtos de origem conhecida e as marrons, os "órfãos". A população vai perceber que as marrons vão estar sempre mais cheias. 

A Abinee tem como mensurar o custo de um projeto como esse? 

Não temos esse cálculo. Seria extremamente importante saber quanto o governo deixa de arrecadar quando ignora os 30% de mercado cinza. 

A Prefeitura de Londrina tentou criar um sistema semelhante, os chamados Ecopontos, e até implantou uma Central de Logística Reversa. No entanto, poucos materiais foram destinados às empresas e o programa entrou em colapso. A institucionalização do despejo de lixo provocou uma série de problemas e anos depois existiam 249 pontos de descarte irregular. Quem garante que esse projeto de Abinee pode dar certo? 

A Prefeitura não pode se responsabilizar por algo que não é dela. Um programa desses está fardado ao erro, um verdadeiro desserviço à comunidade. Algumas normativas precisam estar claras antes que processos como este nasçam. 

Por exemplo? 

O governo tem definir o que é um produto perigoso, se ele não fizer isso não existe logística. Se não disser que tem capacidade para tratar o "órfão", não tem logística. Se não houver um documento de transferência de titularidade do bem, também não existe logística reversa. O governo também tem que assegurar um documento para o livre transporte das cargas entre Estados. É inconcebível pensar em logística reversa sem superar essas barreiras. O governo publicou um edital recentemente determinando metas progressivas (para a logística reversa), iniciando o processo em todos os municípios acima de 80 mil habitantes. No Paraná, por exemplo, a logística reversa seria implantada em apenas 25 cidades. E o restante? 

O governo tem que instituir uma campanha nacional de conscientização da sociedade. Não pode haver divisão e continuar se apoiando na desculpa de dificuldade pelas dimensões do nosso território. (Leia mais nas páginas 11 e 12)

Danilo Marconi
Reportagem Local

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