Conservação de área privada em São Paulo surpreende cientistas
Quando o ecólogo Ricardo Rodrigues visitou o entorno das hidrelétricas da
Votorantim no rio Juquiá, duas horas a sudoeste de São Paulo, pensava que tudo o
que havia para ver lá era uma vegetação já degradada, sem interesse de
conservação. O que encontrou, porém, foi uma das áreas mais biodiversas de toda
a mata atlântica.
Reserva ecológica no rio Juquiá, no Vale do Ribeira; área pertence à Votorantim e deve virar unidade de conservação |
Rodrigues, professor da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz), da USP, foi um dos primeiros biólogos a explorarem a região em mais de
meio século. A área de 35 mil hectares, adquirida pelo empresário Antônio
Ermírio de Moraes na década de 1950, estava fechada a expedições desde então.
Sua única função até hoje era proteger as nascentes na bacia do rio --sem
elas, as represas das usinas ressecariam e não poderiam enviar energia para a
fábrica da CBA (Companhia Brasileira de Alumínio), que a Votorantim mantém perto
de Sorocaba.
"A empresa nos procurou para discutir o que fazer com a área, e a proposta
inicial era promover o manejo sustentável de espécies nativas para
aproveitamento econômico", conta Rodrigues.
Depois de o cientista fazer um levantamento da diversidade vegetal na região
em abril com 25 alunos de pós-graduação, porém, a ideia mudou. "Agora, a
prioridade é mesmo a conservação, e só uma parte deve ser voltada a manejo
sustentável." A Votorantim já havia assinado no ano passado um protocolo de
intenções perante o governo do Estado, prometendo transformar a área numa
unidade de conservação particular.
Espécies da mata atlântica
Pássaro tiê-sangue, Ramphocelus bresilius, fotografado na
reserva da Votorantim, no rio Juquiá-açu, em São Paulo
O território, que deverá receber o nome de Reserva Votorantim, surpreendeu o
grupo de Rodrigues, que coletou 2.000 amostras de plantas e já identificou mil
espécies diferentes na região. Uma das plantas presentes é o palmito-juçara,
hoje uma espécie em perigo em razão da exploração predatória.
Palmiteiros e caçadores têm mais dificuldade para entrar em áreas da empresa
do que em parques estaduais, que não dispõem de vigilância eficaz. Qualquer um
que tenta se aproximar das estradas que dão acesso às usinas a partir da BR-116
esbarra em portões com câmeras e seguranças que rondam o local periodicamente.
Em áreas mais remotas da reserva, é mais difícil flagrar intrusos, mas a empresa
está implementando agora monitoramento por satélite e poderá alertar a polícia
inclusive em pontos de parques ao redor da região.
PROBLEMA E SOLUÇÃO
Antes de decidir transformar a área da bacia do rio-Juquiá-Açu em reserva
particular, a empresa cogitou doar o território ao Estado. Esse foi o destino do
Parque Jurupará, ao norte, que já pertenceu à Votorantim.
"Mas, afinal, imaginamos que, se doássemos a área, estaríamos entregando um
problema para o Estado, não uma solução", diz David Canassa, gerente de
sustentabilidade da empresa.
Otávio Carneiro de Rezende, presidente da Votorantim Energia, resume a
questão de uma outra forma. "Onde não existe um grande grupo preservando uma
área, ela se degrada", diz. "O único modo de preservar o ambiente é com
dinheiro."
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
Usina hidrelétrica da Barra, da empresa Votorantim, no rio Juquiá, no interior de São Paulo |
Para outros biólogos que visitaram a região no último ano em que a Votorantim
abriu a área para atividade acadêmica, o destaque da nova reserva é sua posição.
Situada entre os parques no Vale do Ribeira e aqueles no litoral sul do
Estado, ela é uma das últimas peças necessárias para interligar dois dois
maiores fragmentos de mata atlântica do país e ampliar a maior área contínua de
preservação do bioma (veja mapa abaixo.)
Editoria de arte/Folhapress | ||
Maurício Talebi, bioantropólogo da Unifesp (Universidade Federal de São
Paulo) especialista em macacos, diz ter certeza que a área é habitada pelo
muriqui --o maior primata das Américas, também uma espécie em perigo.
Além de ser contígua ao Parque Estadual Carlos Botelho, que abriga a maior
população do animal, a reserva da Votorantim tem as árvores em que o animal
dorme e se alimenta. "Garanto que achar esses bichos aqui é só questão de
tempo", diz Talebi.
Apesar do entusiasmo com as atividades de pesquisa, a empresa mantém os
planos de fazer na reserva manejo sustentável de palmito, viveiros de mudas e
coletas de sementes para integrar a população local, onde for possível.
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