quarta-feira, 29 de outubro de 2014

SECA GRANDE SERTÃO PAULISTA A SECA AFETA SEIS MILHÕES DE PESSOAS, CAUSA DOENÇAS, PREJUÍZO DE 200 MILHÕES DE REAIS E SAQUES



Ruas sujas e empoeiradas, banhos diários 
Ruas sujas e empoeiradas, banhos diários de caneca, prejuízo no comércio, surto de doenças e ânimos inflamados. Eis a rotina de aproximadamente 6 milhões de moradores do grupo de 37 municípios no interior mais afetados pela seca. As prefeituras de Tambaú e Cordeirópolis decretaram estado de calamidade pública, que caracteriza desastres de grande porte responsáveis por esgotar os recursos da administração local. Artur Nogueira, Casa Branca e Valinhos estão em situação de emergência, um estágio mais brando diante de uma fatalidade. Na prática, funciona como um aviso de alerta à população. Em Itu, outra cidade bastante atingida, ocorrem cenas dignas dos filmes apocalípticos de Hollywood sobre o esgotamento de recursos naturais. No local, os caminhões-pipa passaram a receber escolta da polícia depois da ocorrência de assaltos.
Localizada no nordeste paulista e distante 270 quilômetros da capital, Tambaú é uma das cidades que mais sofrem com a estiagem. Seus 23 500 moradores enfrentam um surto de dengue e virose porque muita gente, na afobação, tem estocado água de qualquer jeito. Em abril, começou o racionamento. No início, o fornecimento ocorria dia sim, dia não. Há três meses, a política ficou mais severa. Agora, as torneiras permanecem vazias durante 48 horas e são abastecidas por dezessete. 
Segundo a Associação Industrial e Comercial de Tambaú, a cidade acumula um prejuízo de mais de 4 milhões de reais. "Falta água para produzir cerâmica, o principal item da economia do nosso município. As empresas acabam demitindo funcionários, e isso gera recessão", diz Marcos Stocco, presidente da entidade. A cidade tem 65 fábricas nesse setor e, segundo dados do sindicato dos trabalhadores da categoria no local, cerca de 25% dos 4 000 empregados foram demitidos neste ano.
Fernando Moraes
Renô Sumeira, ceramista em Tambaú há 20 anos, sofre com a crise. Água é fundamental na elaboração das telhas. Com o tempo quente, o gasto pulou de 500 litros para 2000 litros por dia. Para piorar, as duas minas de seu terreno secaram. "Só consigo trabalhar porque os vizinhos me dão água", diz. Até o ano passado, ele produzia por mês 300 000 peças e faturava mais de 70 000 reais. Hoje, fabrica no mesmo período 20 000 telhas e o rendimento caiu para 35 000 reais. "Corro o risco de fechar".
A região é abastecida por duas represas. Uma delas secou completamente em julho e a outra só não tem o mesmo destino porque diariamente caminhões-pipa enchem o local com água do Rio Macuco, manobra custeada com parte da ajuda de 2 milhões de reais recebida do governo do estado. Mas, para resolver o transtorno de vez, as autoridades estimam um investimento de 15 milhões de reais para reformar o encanamento de Tambaú, datado de 1930 e administrado pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto (Demaet), que teve poucos investimentos ao longo das últimas décadas. 
"O problema não começou agora, mas a população não entende. Sou xingado nas ruas, furaram os pneus do meu carro e houve manifestação na frente da minha casa", reclama o prefeito Roni Donizetti Astorfo. A exemplo de seus conterrâneos, ele garante ter mudado a rotina para economizar. "Desde agosto, só me lavo de caneca e reutilizo a água do banho para dar descarga", conta. "Também faço a barba dia sim, dia não".
Além dessas medidas práticas, Astorfo, que vem de uma família bastante religiosa, apela para outras forças. Tem andado com um tercinho enrolado no pulso esquerdo e pede orações à população. O segundo nome do prefeito foi escolhido por seus pais para homenagear o padre Donizetti (1882-1961), padroeiro da cidade, que está com um processo de beatificação no Vaticano. "Só Deus mesmo para ajudar a gente", desabafa Maria Eni Tezzei da Silva, aposentada de 71 anos, moradora da Vila Padre Donizetti, um dos bairros mais prejudicados. 
O local chega a ficar uma semana sem água. Desde julho, Eni lidera uma novena para chamar a atenção de São Pedro. Todo fim de tarde, um grupo de aproximadamente dez fiéis se reúne aos pés do cruzeiro da paróquia São Sebastião, reza o terço e lê o capítulo Em Tempos de Calamidade e Atribulação do livro Manual de Nossa Senhora Aparecida. Para finalizar o ritual, cada pessoa joga um copo de água na cruz. "Quando chegou a Tambaú, em 1926, o padre Donizetti também sofreu com uma estiagemsemelhante e, após uma novena, choveu e tudo se recuperou", explica Anderson Godoi de Oliveira, pároco do Santuário Nossa Senhora Aparecida. Apesar de manter a fé, ele acredita que a seca só vai acabar quando as pessoas aprenderem a lidar com o meio ambiente.

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