sexta-feira, 3 de maio de 2013

LIQUIDO PRECIOSO - BRASIL PRECISA MELHORAR APROVEITAMENTO DA ÁGUA

Para presidente de oscip que estuda o saneamento no País, é necessário melhorar a distribuição e estimular o uso racional
Entrevista: Édison Carlos Presidente da Trata Brasil
Na sexta-feira, 22 de março, foi comemorado o Dia Mundial da Água. Nessa data, sempre é mencionada a importância de valorizar o uso racional da água, mas poucas pessoas têm a dimensão da necessidade de levar essa preocupação para além do discurso. 

A Trata Brasil, uma organização da sociedade civil de interesse público (oscip) sediada em São Paulo, mantém projetos e pesquisas relativos à questão do saneamento no País. Alguns dos números levantados pela entidade são assustadores: do esgoto gerado no Brasil, apenas 37,9% recebe algum tipo de tratamento; nas 100 maiores cidades brasileiras, quase 7 milhões de habitantes não tinham em 2010 acesso a água potável; ao mesmo tempo, o consumo vem aumentando, e as grandes metrópoles estão precisando buscar mananciais cada vez mais distantes.
 
A região da Grande São Paulo, por exemplo, usa quatro vezes mais água do que tem disponível no seu território. 

O presidente da Trata Brasil, Édison Carlos, alerta que o País precisará atender nos próximos anos a uma série de demandas relacionadas ao saneamento: descobrir novas fontes, melhorar o uso estratégico da água, combater a ineficiência na distribuição (a média nacional de perdas chegou a 36% em 2010) e o uso incorreto do cidadão. 
 
Um número da própria Trata Brasil mostra que de 2009 para 2010 o consumo de água por habitante no Brasil cresceu 7,1%. Que tipo de desafio esse aumento representa? 




O desafio é cada vez maior, porque a gente tem muito pouca água, não só no Brasil, mas no mundo todo: só 0,5% da água do planeta está disponível na forma de água doce. Noventa e sete por cento é água salgada, e dos 3% de água doce do mundo, 2,5% estão presos nas geleiras. E o Brasil é privilegiado, porque 16% da água doce do mundo está no Brasil, mas a maior parte disso, mais de 60%, está na Amazônia. 



Então nós temos na verdade uma quantidade de água muito pequena para dividir entre todos os brasileiros. 



Como tem sido o aproveitamento desses recursos? 



Está sendo muito desigual. Enquanto uma pessoa do Rio de Janeiro consome em média 236 litros por dia, em Alagoas uma pessoa consome 91. São dois extremos. O uso do recurso é muito dependente da quantidade de água que existe na região. Normalmente as pessoas no Nordeste usam menos água porque realmente tem menos água, então já há um inconsciente coletivo de que não dá para usar muito porque tem pouco, mas no Sudeste e no Sul as pessoas usam mais, não têm consciência de que precisam economizar. A região da Grande São Paulo usa quatro vezes mais água do que tem disponível. Isso faz com que os desafios sejam para trazer água de cada vez mais longe. É o desafio das grandes metrópoles, das companhias de saneamento, ter que ir buscar água de bacias hidrográficas cada vez mais distantes. Se fôssemos usar na Grande São Paulo só a água que tem aqui, (o consumo) equivaleria às regiões mais secas do Brasil e do mundo. 



Segundo a Trata Brasil, nos 100 maiores municípios do Brasil a perda de água chega a ser superior à média nacional, 40,46% a 36% (dados de 2010). Por que há mais perdas nas cidades maiores? 



O maior fator é a ineficiência do sistema de saneamento e distribuição de água. Toda essa perda de água não tem nada a ver com o cidadão. É da hora que capta da natureza até chegar à porta da gente. Na média do Brasil, de cada 100 litros de água que estão potáveis, prontos para chegar ao cidadão, em média 38% não conseguem ser cobrados. Ou ela é roubada, ou há vazamentos, ou é fornecimento não medido. Há regiões das cidades que não têm hidrômetros e a empresa de saneamento cobra por estimativa, há falta de regulação de pressão nas linhas de água. causando rompimento de adutoras. Nas perdas nós temos uma somatória de coisas, por isso que nós falamos de perda de faturamento, e não em volume de água, porque não existe esse número no Brasil, o volume de água perdido. Então a gente fala em volume financeiro perdido. 



Evitar essas perdas passa necessariamente por mais investimento? 



Sem dúvida, começa por investimento para corrigir isso. Agora, é muito diferente a solução, por exemplo, para Curitiba e para uma cidade do Acre. Você pega uma cidade do Amapá e tem 70% de perda. A colocação de uma válvula na linha de água resolveria 1/3 do problema. É uma solução muito barata, e muito fácil. Já uma cidade como São Paulo, Rio de Janeiro ou Curitiba, é muito mais difícil reduzir perdas porque a cidade está toda asfaltada, calçada, então tem que haver tecnologia e investimento em tecnologia, investimentos maiores para captar vazamentos, instalar hidrômetro nas áreas mais distantes, corrigir e trocar redes antigas. 



Sempre se precisa de investimento, mas antes disso tem que ter vontade política de resolver. 



Quanto o Brasil investe e quanto deveria investir? 



Não há uma estimativa de quanto seria necessário. Existem linhas de crédito na Caixa Econômica e no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) justamente para combater perdas porque se sabe há muito tempo que esse é um dreno de recursos. Se a gente conseguisse reduzir 10% das perdas, isso representaria R$ 1,3 bilhão a mais para as empresas no Brasil todo. O Brasil investe por ano no saneamento inteiro, água e esgoto, R$ 8 bilhões em média. Vamos dizer que 50% disso (do R$ 1,3 bilhão) fosse aplicado na própria redução de perdas, as empresas teriam outros R$ 650 milhões para a expansão da (rede de) água e esgoto. Em cidades com mais perdas, isso representaria o dobro. É fundamental combater perdas. Das 100 maiores cidades do Brasil, 33 são apontadas pela Agência Nacional de Águas como cidades que já precisam de um novo manancial, cidades em situação crítica, muitas com perda acima de 40%. Antes de buscar um novo manancial, tem que corrigir a rede. Então, você tem uma escassez de água muito grande, perdas enormes e falta de consciência do cidadão, do uso racional. Temos um conflito pela água, cidades, Estados querendo usar a mesma água. Temos que descobrir novas fontes, fazer um uso estratégico da água, que não é só para o ser humano, 70% vai para a agricultura, outra parte para a indústria, e o que vai para o consumo é de 10% a 15%. É pouca água, disputada por vários setores da economia, (além da necessidade de) combater a ineficiência na distribuição da água potável e o uso incorreto do cidadão. Fica uma equação complicada, e a gente fica muito dependente da chuva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

NÃO ACEITAMOS COMENTÁRIOS ANÔNIMOS, FAVOR DEIXE SEU NOME E E-MAIL PARA QUE POSSAMOS RESPONDER.